sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Orquestra suave

Este é um e-mail que enviei a uma mãe que conheço, que assim como tantas outras, desconhece a verdade por trás da indústria da cesárea e achou naturalíssimo seu filho nascer de cesárea e passar horas afastado dela. Espero que tenha surtido algum efeito, e se não, espero que surta efeito em alguma outra mãe que o leia.


"Oi, *****. Tudo bem?

Há dias que queria te falar, mas, sinceramente, não saberia falar de forma bem clara sem antes organizar bem os pensamentos.
Tô te escrevendo este e-mail porque gostaria que tivessem me dito tudo o que vou te dizer. Teria sido muito mais fácil e rápido, e não teria precisado percorrer o longo e trabalhoso caminho que percorri pra chegar ao ponto que cheguei.

Este e-mail tem a ver com o nascimento. O do teu filho, o da minha filha, e o de tantos bebês que nasceram e que ainda nascerão nesse país.

Quando me disseste a seguinte frase "não planejei nada. Tudo aconteceu como tinha que acontecer" se referindo ao nascimento do teu filho, lembrei que é fato que 90% das mulheres crêem que realmente a cesárea é a melhor forma de trazer seu filho ao mundo, e que o hospital é o local mais seguro para um bebê nascer, e nem sabem da brutalidade que é para um bebezinho indefeso.

Como és uma mulher de mente aberta (acredito piamente que o sejas), que entrou no vegetarianismo como combate aos maus-tratos infligidos aos animais, que sente pena da crueldade como são manejados e mortos, acredito que se souberes a verdade sobre o nascimento, poderás mudar a tua realidade quando decidires por ter outro filho. Não vai mudar o que aconteceu com o ****, assim como não muda o que aconteceu com a Anna Clara.

Bem, *****, até aqui não disse nada ainda, mas lembras do filme Matrix ? Lembras das pílulas azul e vermelha que foram oferecidas ao Neo? Pois então. Agora o que te ofereço é isso. Uma pílula azul e outra vermelha. 
A azul é apagares este e-mail sem sequer ler o resto, nem precisa comentar nada a respeito comigo, nem tocar mais no assunto, pois farei o mesmo e não vou insistir, mas dificilmente aparecerá alguém pra te contar o que quero te dizer.

A vermelha é sair da matrix e continuares lendo até o final. Isso é sem volta, pois transforma demais, muitas vezes dói um pouco até, pode até chocar, mas te garanto que depois a gente passa a ver tudo diferente. Pra mim foi doloroso, chorei e ainda choro por saber que minha filha sofreu e que eu não pude fazer nada pra impedir, estava ainda sob os efeitos dos hormônios do parto e não consegui reagir.

Se escolheste ler, peço que o faças quando tiveres tempo livre e paciência, pois é um pouco longo, vou começar do começo:

Nós vivemos hoje em um mundo onde a medicalização se deu de forma muito intensa, transformando situações fisiológicas em atos médicos. As pessoas passaram a acreditar que os médicos fazem o que é melhor para nós. Ledo engano. Os médicos, em sua maioria, se tornaram médicos não por amor ao próximo, mas pelo status e dinheiro que a profissão proporciona, e dessa forma, quanto mais rápido o atendimento, mais pacientes serão atendidos e mais eles recebem.

Com o parto eles não agem diferente. Para eles, é muito melhor uma cesárea que um parto normal. Quanto achas que um obstetra recebe por um parto normal e por uma cesárea? No parto normal o trabalho do obstetra se limita a avaliar a saúde da mãe e do bebê (o que pode ser feito por outros profissionais, como enfermeiros e técnicos de enfermagem), segurar o bebê, cortar o cordão e vez ou outra suturar uma laceração no períneo da mulher.Quase não dá trabalho, então não há justificativas para grandes custos. Além disso, um trabalho de parto pode levar muitas horas, obrigando o obstetra a desmarcar consultas e outros compromissos, além de às vezes ele ser acordado no meio da noite pra atender à parturiente. Já numa cesárea, precisa de uma equipe maior, precisa de um anestesista (que pode ser um grande amigo do GO e estar precisando de uma graninha..) do uso de instumentos cirúrgicos (e para tal mais um profissional: o instrumentador), corta-se 7 camadas de tecido da barriga da mulher (isso mesmo, são 7) todas elas terão de ser costuradas depois, uma a uma, há prescrições de muitos medicamentos... Os custos são elevados e o GO (ginecologista obstetra) recebe mais por isso, além de o médico saber o dia exato e a hora em que o bebê nascerá, a cirurgia dura cerca de 30 minutos e pronto.

Agora vou falar um pouquinho porque o parto normal é tão importante para o bebê.

Bem, desde a concepção, cada indivíduo é único, e a partir da 8ª semana cada embrião passa a se desenvolver em seu próprio ritmo, que varia de um embrião para outro. Geralmente por volta das 12 semanas já tem todos os seus órgãos e tecidos formados, e a partir daí o que ocorre é o desenvolvimento, crescimento e maturação de cada órgão. O último a amadurecer é o pulmão, e é o total amadurecimento dele que dá o start para a mulher entrar em trabalho de parto. Isso ocorre em períodos diferentes em cada bebê, por isso mesmo que o período de gestação varia tanto de uma mulher pra outra, chegando ao fim para algumas em torno das 38 semanas, e para outras podendo passar de 42. Essa maturação dos pulmões não tem como se prever, nem como ser avaliada em uma ultrassonografia. Quem avisa quando ela está completa é o próprio bebê, liberando uma substância que dará início ao trabalho de parto, avisando à mamãe que ele está pronto pra nascer.

O trabalho de parto começa, e então as contrações vem como ondas, massageando o corpinho do bebê e preparando o seu pulmãozinho para trabalhar fora da barriga. Cada contração o prepara e o avisa que logo ele estará nos braços de sua mãe. A ocitocina liberada pela mãe atravessa a placenta e faz com que o cérebro precise de menos oxigênio, facilitando o período de adaptação ao meio externo, enquanto ele terá que aprender a respirar sozinho. Durante a passagem pelo canal vaginal, o tórax do bebê é naturalmente comprimido, expulsando de suas vias respiratórias todo o líquido aminiótico, ajudando-o ainda mais a respirar no meio externo. O cordão umbilical ainda pulsa por alguns minutos, levando oxigênio da placenta para o seu organismo para que não lhe falte oxigênio enquanto se acostuma a respirar sozinho. É tudo perfeitamente orquestrado para que o bebê tenha uma adaptação suave e indolor.

Agora vê a cesárea eletiva: geralmente ela é marcada para ocorrer na 38ª semana. Muitos bebês ainda não estão com os pulmões totalmente maduros. Eles não são preparados para nascer e nem sabem que isso acontecerá. Ele está lá, no cantinho dele, onde é escuro, quentinho e confortável. Durante a anestesia, a maioria dos anestesistas administram junto morfina. Tanto a anestesia quando a morfina passam através da placenta e chegam à corrente sanguínea do bebê , dopando-o, e trazendo junto o risco de sofrimento fetal e morte neo-natal por anafilaxia. De repente ele é arrancado de dentro de sua mãe, com um tracionamento em sua cabeça que pode provocar uma lesão em nervos cervicais com risco de perda de movimentos dos braços, sem ter tido nenhum preparo, e é exposto de forma brusca às novas condições, ao ar-condicionado da sala cirúrgica, às luzes fortes que foca o campo de cirurgia, com suas vias respiratórias entupidas, mal conseguindo puxar o ar, e logo o cordão umbilical é cortado, pois terão de fechar a barriga rapidamente para diminuir o risco de infecção e hemorragias na mãe. O bebê ainda não respira direito, e não há mais fluxo de oxigênio vindo da placenta. Os pulmões doem, ardem, ele se sente sufocado. E a mãe, anestesiada, dopada, mal consegue reconhecê-lo e não é capaz de ao menos lhe dar colo em seu primeiro momento de dor e angústia.

Consegues ver?

Aqui estão os principais riscos que ela (a cesárea) oferece ao bebê:

* Risco de desconforto respiratório e doença pulmonar de membranas hialinas
*Risco de prematuridade fetal, uma vez que cada indivíduo se desenvolve de forma diferente, além do risco de erro de data e de ovulação tardia.
* Risco de morte aumentado em até 10x se comparado ao parto normal.
* Risco de cortes acidentais
* Probabilidade maior de desmame precoce
* Dificuldade de aleitamento (a ocitocina liberada durante o trabalho de parto é quem dá início à descida do leite)
* Demora para estabelecer vínculo com a mãe, uma vez que esta está sob efeito de anestesia.
* maior índice de internação na UTI neo-natal.

Agora vou te falar o que eles fazem com TODOS os bebês nos hospitais, sejam eles nascidos de parto normal ou cesárea. Estes procedimentos são chamados de procedimento padrão, e são aplicados sem critério algum em todos os bebês, mesmo quando não há necessidade, pois fazem parte do protocolo dos hospitais em geral. Fizeram com a minha filha a maioria deles, com o teu filho, e com os filhos de muitas e muitas mulheres, e chegam ao limite da crueldade.



Aspiração das Vias aéreas
Cânula
Anal
Injeção de Vitamina K
Colírio de Nitrato de prata
Banho logo ao nascer
O que é e para que serve
Serve para quando o bebê não consegue respirar, aparenta estar engasgado. Enfia-se uma sonda nas narinas e na garganta, e geralmente com uma seringa o líquido é aspirado
Para verificar se há orifício anal  e às vezes extrair mecônio.
Injeção aplicada na coxa do bebê para prevenir a síndrome hemorrágica do recém-nascido
Para evitar contaminação por gonorréia
Não serve pra nada
O que se sente
 É desconfortável e doloroso, podendo causar lesões nas mucosas nasais e laríngeas.
Desconfortável e invasivo
Dolorosa.
Arde muito, e muitas vezes causa uma conjuntivite (que dói) no recém-nascido durante  primeiro mês de vida
Muitas vezes o banho é dado frio, e esfrega-se com força para remover o vérnix.
Real necessidade
Só é necessário quando o bebê apresenta dificuldade para respirar, após cesárea, ou quando há aspiração de mecônio (primeiro "cocô")
totalmente desnecessário em todas as ciscunstâncias.
A vit K é necessária, porém já existe a versão oral, menos invasiva e indolor, porém não é oferecida nas maternidades
Só é necessária em casos de parto normal em que a mãe tenha gonorréia. Caso ela não tenha, é totalmente dispensável, e no caso da cesárea não corre risco de contaminação.
O bebê acaba de vir de um meio estéril, e coberto por vérnix, rico em vit K, que é absorvida pela pele. Muitas vezes o primeiro banho é dado em água fria (os recém nascidos ainda não tem o sistema termo-regulador totalmente desenvolvido, correndo risco de sofrer hipotermia
aqui segue um link com um vídeo para mensurares o que diz a tabela. Ele tá em espanhol pois foi filmado na argentina, onde os hospitais seguem os mesmos padrões que aqui no Brasil. Ele trata dos direitos humanos a que a mulher e o bebê tem, e que não são respeitados.

Esses minutos que ele passou sendo avaliado e invadido eram minutos preciosos que ele deveria ter no colo de sua mãe.

Toda fêmea mamífera, ao parir sua cria, seu instinto lhe diz que ela deve acolher, lamber e dar de mamar, oferecendo amor e proteção. Por que com nós, mulheres, e com nossos bebezinhos, tem que ser diferente? Ao nascer, eles nos são arrancados, sendo levados para longe, quando tudo o que eles querem é o aconchego, o amor e a proteção da mãe. Têm seus corpos violados e agredidos. Imagina o que um bebê sente ao passar por tudo isso...

É por isso que muitas mulheres optam por terem seus bebês em casa, pois só assim estarão resguardados e protegidos de sofrerem tais abusos.

*****, se leste até aqui, não acredito que não tenhas sentido nada ao saber de tudo isso. Se leste e consegues visualizar tudo o que escrevi, e sentes pelo teu filho e pelos filhos de todas nós, e quiseres saber mais, tirares dúvidas, existem vários sites, blogs e listas de discussão, e eu também tô aqui..  o site partodoprincipio.com.br tem muita informação.

Sou frequentadora de um grupo de apoio à gestação, parto e maternagem, o Ishtar, que tem encontros quinzenalmente. Lá conheci diversas mulheres que saíram dessa matrix  da maneira mais trabalhosa e árdua, que lutaram pelos seus ideais, e que continuam lutando para que outras mulheres e bebês não continuem passando por tantos maus-tratos.

Espero que tenhas mudado tua forma de ver o nascimento.

Beijos."

2 comentários:

  1. Olá,
    cheguei até aqui pelo blog da Lola, e adorei a carta. Infelizmente não puder ter um parto domiciliar (não pude bancar), mas pesquisei entre os hospitais da minha cidade aquele que se adequasse melhor (e atendesse pelo SUS) e graças a deus encontrei um ótimo.
    Das rotinas acima, somente a injeção é praxe. Gabi nasceu de PN, foi pesada e medida ao meu lado e já veio para o colo. Ficou comigo durante a sutura da laceração e foi comigo quando me levaram pro pós parto. A enfermeira deu banho (quentinho, eu verifiquei, hehe)junto com o pai, enquanto eu almoçava. Sim, almocei meia hora depois de parir! Aí ela recebeu a injeção de vitamina K e voltou para mamar.
    Ficamos apenas 24 hrs depois do parto no hospital, em alojamento conjunto (o hospital não tem berçario, inclusive cesariadas podem ficar com os bebes na recuperação), e tive ajuda com a amamentação.
    Mas o mais intrigante foi ouvir das colegas de faculdade, quando contei o parto, que PN era 'coisa de pobre' e o hospital não ter berçario tambem, que elas queriam fazer cesarea e o bebe ficava no berçario para poderem 'descansar' depois da cirurgia (me recuso a chamar de parto!)
    Enfim, era so para elogiar o belissimo texto e dizer que sim, mesmo no interior do Brasil (passo fundo - RS, em torno de 200 mil hab) pode haver atendimento humanizado!
    beijos

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  2. Quero saber se consegue amamentar normalmente apos a cirurgia de mama. Estou com 7 semanas de gestaçao, ja tenho uma filha, mas fiz a reduçao da mama e agora engravidei novamente... o medico disse q nao amamentarei desta vez. Obrigada. Geórgia (georgia-ferraz@hotmail.com).
    Felicidades p vcs!

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